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Os luteranos e os Santos

Foto do escritor: Rev. Filipe Schuambach LopesRev. Filipe Schuambach Lopes

O que os luteranos acreditam sobre os santos?

No que se refere ao culto aos santos, a Confissão de Augsburgo, em seu artigo XXI, estabelece o seguinte:

“a respeito do culto aos santos, os nossos ensinam que devemos nos lembrar dos santos para fortalecer a nossa fé, de forma que vejamos como receberam graça e como foram ajudados pela fé; além disso, a fim de que tomemos suas boas obras como exemplo, cada um, de acordo com sua vocação”(Livro de Concórdia, p.72) .

A Apologia da Confissão de Augsburgo expande ainda mais essa tese no artigo XXI, afirmando:

“Nossa Confissão aprova honrarias para os santos, sendo que aqui se deve aprovar a tríplice honraria. A primeira é a ação de graças. Devemos dar graças a Deus por nos ter mostrado exemplos de misericórdia, por ter indicado que quer salvar a humanidade, por ter dado mestres e outros dons à igreja. E esses que são os maiores dons devem ser exaltados e junto com eles devem ser louvados os próprios santos que usaram esses dons com fidelidade, como Cristo louva os negociadores fiéis (Cf. Mt 25.21,23). O segundo culto é a confirmação de nossa fé. Quando vemos que a Pedro é perdoada a negação, também nos somos erigidos para crer mais ainda que a graça de fato superabunda muito mais que o pecado (Cf. Rm 5.20). A terceira honraria é a imitação, primeiro da fé e depois das demais virtudes, as quais cada um deve imitar de acordo com sua vocação” (Livro de Concórdia, p. 269).

É importante observar que o mesmo artigo também ressalta um ponto de grande relevância. Ele declara:

“e embora que os santos oram no céu pela igreja em geral, do mesmo modo que os vivos oram pela igreja universal em geral, não há nas Escrituras nenhum testemunho a respeito dos mortos que oram. [...] Além disso, mesmo que os santos orem muitíssimo pela igreja, disso não resulta que devam ser invocados. Ainda que nossa confissão afirme apenas isto: a Escritura não ensina a inovação dos santos nem que se peça auxílio a eles” Livro de Concórdia, p. 269).

A celebração dos Dias Santos remonta ao século II. Conforme a igreja se expandia e crescia, a lista de santos e mártires também aumentava. Muitas vezes, as pessoas tinham uma inclinação natural para comemorar os santos associados à sua região específica, como, por exemplo, São Patrício, que é lembrado na Irlanda. Isso reflete a diversidade e a história rica da devoção aos santos ao longo do tempo.

Na época de Lutero, o calendário de Dias Santos havia se tornado consideravelmente longo, com várias datas associadas a diversos santos. Isso levou a uma situação em que as histórias e vidas dos santos ameaçavam ofuscar as principais festas do ano eclesiástico e a mensagem central de Cristo. Em seu escrito sobre o Culto em 1523, Lutero expressou a seguinte opinião:

“Todas as festas dos santos devem ser eliminadas. Se, todavia, existe uma boa lenda cristã, ela pode ser incluída no domingo, depois da leitura do Evangelho, para servir de exemplo. No entanto, eu manteria a festa da Purificação e Anunciação de Maria. A festa da Assunção e da Natividade ainda devem ser toleradas por algum tempo, embora os cantos para essas ocasiões não sejam puros. A festa de João Batista também é pura. Nenhuma das lendas dos apóstolos é pura, exceto a de São Paulo. Por isso podem ser transferidas para os domingos, ou, se for do agrado, celebrá-las separadamente” (Lutero, 2000, p.68).

Mais tarde, naquele mesmo ano, Lutero reiterou pontos semelhantes em sua revisão da Missa em Latim. Ele afirmou:

“Aprovamos e preservamos os intróitos dominicais e os das festas de Cristo, quais sejam: Páscoa, Pentecostes, Natal. Também damos preferência aos salmos dos quais são tomados como antigamente. Mas por enquanto, concordamos com o uso aceito. Se, todavia, alguém quiser usar os intróitos para os dias dedicados aos apóstolos, à virgem e outros santos (quando tirados dos salmos ou outras passagens das Escrituras), não o condenamos. Nós em Wittenberg, porém, pretendemos observar somente os domingos e as festas do Senhor. Somos da opinião de que todas as festas dos santos devem ser ab-rogadas por completo, ou, se há algo digno nelas, isso deve ser incluído nas prédicas dominicais. As festas da Purificação e da Anunciação consideramos como festas de Cristo, como Epifania e a Circuncisão. Em lugar da festa de Santo Estevão e João Evangelista preferimos usar o ofício do Natal. Outros procedam de acordo com sua consciência ou em consideração à fraqueza de outros, conforme o Espírito o inspirar” (Lutero, 2000, p.159-160).

O calendário da igreja, incluindo o dos luteranos, tem variado ao longo do tempo e em diferentes regiões. Em geral, os luteranos enfatizam a celebração das festas associadas à vida de Jesus, bem como dos santos da Bíblia, especialmente do Novo Testamento, como os apóstolos e evangelistas, Santo Estêvão, Santos Inocentes, São João Batista, São Miguel Arcanjo e o Dia de Todos os Santos.

No Hinário atual da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (2016), foram acrescentados mais dias de festa para santos, incluindo São Barnabé, São Tiago de Jerusalém, São José, Santa Maria, Santa Maria Madalena, São Timóteo e São Tito. Além disso, o Hinário também inclui comemorações de santos do Antigo Testamento e outros santos da história da igreja, como Abraão, Samuel, Ester, Policarpo, Anselmo, entre outros. Isso se baseia na referência bíblica de Hebreus 12.1, que diz: “Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, livremo-nos de todo peso e do pecado que tão firmemente se apega a nós e corramos com perseverança a carreira que nos está proposta”.

No entanto, permanece uma indagação: quem são os santos da Igreja e como se adquire esse título?

Em primeiro lugar, é fundamental compreender que todos os cristãos são considerados santos perante Deus. A santidade é alcançada no momento do batismo, por meio da ação regeneradora do Espírito Santo, da Palavra e da água, quando somos adotados como filhos de Deus. Como o Apóstolo Paulo expressa em sua primeira carta aos Coríntios, no capítulo 6, no batismo somos santificados e justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus.

Em outras palavras, no batismo, passamos de ser inimigos de Deus a sermos amados filhos Seus. Por meio do sacrifício santo e da morte de Jesus, nossos pecados são perdoados. No ato do batismo, nos tornamos parte da noiva de Cristo, iniciando nossa jornada na Igreja de Jesus Cristo, a comunhão dos santos. A partir desse ponto, Deus nos vê não mais como pecadores, mas como santos, olhando-nos através da lente da cruz, onde nossos pecados foram expiados e onde fomos santificados pela obra vicária de Cristo.

É notório como o apóstolo Paulo se dirige aos coríntios, por exemplo, quando os saúda da seguinte forma: “à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em todos os lugares invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1Co 2.1). Da mesma maneira, ao se dirigir aos filipenses, Paulo afirma: “Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Jesus, inclusive bispos e diáconos que vivem em Filipos” (Fp 1.1)

Entretanto, é uma verdade incontestável que continuamos sendo pecadores. O batismo não elimina a natureza pecaminosa, mas sim a culpa do pecado. Portanto, diante de Deus, permanecemos pecadores e necessitados do perdão que vem por meio do sincero arrependimento.

Compreendemos, portanto, que todos os cristãos, por meio do Sacramento do Santo Batismo, são declarados santos perante Deus devido à obra redentora de Cristo, mesmo que continuemos a ser pecadores. Agora, quanto à questão de por que e quais critérios a igreja historicamente utilizou para conferir o título de “Santo” a uma personalidade, é importante considerar que essa análise pode variar de acordo com a tradição eclesiástica.

Na igreja luterana, existem duas classificações para a comemoração de uma pessoa ou objeto, como é o caso da Santa Cruz. A primeira classificação é conhecida como Dias Festivos ou Festas Menores, que geralmente incluem eventos e pessoas da vida de Cristo em seu ministério terreno, como a mãe do Salvador e seus apóstolos. Essas festividades são chamadas “Festas de Cristo” e são oportunidades para lembrar, celebrar e agradecer pela vida que nosso Senhor Jesus Cristo viveu por nós na carne.

A segunda classificação corresponde às “Comemorações”. Essas comemorações integram o calendário santoral do ano eclesiástico da igreja e nos permitem lembrar de homens e mulheres, tanto do Antigo quanto do Novo Israel de Deus, a sua Igreja, que mantiveram a fé e cujas vidas proclamam o triunfo da graça de Deus e Seu infinito amor pelos seres humanos.

Portanto, o título de “santo” é conferido apenas àqueles que tiveram uma participação direta no plano da salvação em Cristo Jesus, como, por exemplo, os apóstolos São Mateus, São Marcos, São Lucas, São João, o próprio São Paulo, São Timóteo, Santa Maria, mãe de Deus, e outros semelhantes.

Contudo, será que é válido e benéfico para a fé celebrar essas datas em que se recordam os santos? Se for o caso, quais seriam as formas adequadas de fazê-lo sem incorrer em extremos?

Não temos regras estritas que determinem quais santos devem ser celebrados e quais não devem. Grande parte disso é deixada ao critério do pastor da congregação. No entanto, é imperativo que a celebração dos santos não resulte no obscurecimento da obra de Cristo ou na deturpação da mensagem central do evangelho. Certamente, não devemos dedicar mais tempo a falar sobre os santos do que sobre Jesus.

Quando tratamos dos santos, o foco permanece em Jesus. Novamente, vale mencionar a Apologia da Confissão de Augsburgo (XXI), que, como mencionado anteriormente, aponta três maneiras específicas pelas quais recordamos os santos:

Primeiramente: Ação de Graças - Ao lembrarmos das bênçãos que essas pessoas foram para a igreja e para o mundo, toda gratidão e glória são direcionadas exclusivamente a Deus.

Segundo: Confirmação de nossa fé – Nos santos, vemos como Deus usou pecadores como nós como Seus servos. Moisés, Davi, Pedro, Paulo e outros foram perdoados por suas muitas falhas, e isso também nos proporciona esperança.

Terceiro: Imitação da fé e virtudes – Deus nos oferece exemplos a seguir por meio da fé demonstrada pelos santos e de seus atos de serviço.

Embora em muitos lugares esses Dias Festivos não sejam celebrados durante o culto regular, ainda existem maneiras de incorporá-los em sua vida. Por exemplo, você pode lembrar os Dias Santos como parte de suas devoções diárias. Além disso, as datas dos Santos podem ser lembradas em devocionais realizados durante as reuniões da igreja e nos cultos realizados no meio da semana.

Em última análise, o papel dos santos nunca deve distrair ou desviar a atenção da obra de Cristo, mas sim fornecer exemplos nos quais possamos vê-lo trabalhando por meio de incontáveis santos em Cristo, como nós, que o serviram ao longo da história de sua igreja.


Fontes: Bonho, Josemar da Silva Alves. “O Ano Litúrgico.” https://teologiaeliturgialuterana.blogspot.com/2018/01/o-ano-liturgico.html, 19/01/2018.


Hinário Luterano. Porto Alegre: Concórdia, 2016.


Livro de Concórdia: As Confissões da Igreja Evangélica Luterana. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2021.


Lutero, Martinho. "A Ordem do Culto na Comunidade – 1523" in Obras Selecionadas, vol. 7. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2000.


Lutero, Martinho. "Formulário da Missa e da Comunhão para a Igreja de Wittenberg – 1523" in Obras Selecionadas, vol. 7. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2000.





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