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Quando os luteranos começam a rejeitar o luteranismo

Foto do escritor: Rev. Filipe Schuambach LopesRev. Filipe Schuambach Lopes


Escrito por Rev. Matthew Richard[1] Tradução e adaptação: Rev. Filipe Schuamabach Lopes


A partir de 2011, passei dois anos entrevistando mais de 400 ex-evangélicos para minha tese de doutorado. O objetivo da pesquisa era descobrir os intrincados detalhes do que acontece quando uma pessoa deixa o evangelicalismo e se torna luterana.


Agora, considerando esta pesquisa, comecei recentemente a questionar o que acontece no lado oposto da moeda. Isto é; o que ocorre quando os luteranos começam a rejeitar o luteranismo e caminham em direção ao evangelicalismo?


Através da simples observação e das minhas experiências pessoais, acredito que existe um padrão muito distinto nas igrejas e fiéis que começam a rejeitar o luteranismo. Embora essas etapas não sejam abrangentes e não tenham sido oficialmente pesquisadas, acredito que elas mostram características óbvias de uma igreja/pessoa que começa a migrar para longe da doutrina e prática luterana.


1º Estágio: o tédio

Depois do culto dominical, Larry virou-se para seu amigo Tom e disse:

“A liturgia é tão seca e mecânica. Você nunca fica entediado em participar desses ritos ‘mortos?’

Tom respondeu:

“Eu estava pensando a mesma coisa outro dia. Se ao menos pudéssemos estar em ‘chamas’ como a Igreja Batista ali do lado... Se ao menos pudéssemos fazer algumas mudanças, as coisas melhorariam e poderíamos estar ‘vivos!’”

O que Larry e Tom talvez não entendam muito bem é que a conversa deles demonstra um grande “tédio litúrgico”. O tédio é um estado emocional em que uma pessoa não está interessada no que está ao seu redor ou sente que aquilo de que está participando é enfadonho, desagradável ou sem importância. O tédio cria uma situação em que as pessoas desejam algum estímulo para aliviar uma rotina tediosa.


Na Igreja Luterana, o tédio entre os fiéis normalmente acontece com o descontentamento, ou talvez apatia, em relação às práticas históricas. Além de ser desmoralizante, o perigo real do tédio surge quando as pessoas tentam aliviá-lo. O fato é que o tédio litúrgico é uma coisa real; entretanto, existem apenas duas opções para aliviar esse tipo de tédio. Elas são a redescoberta ou a descoberta.


A redescoberta acontece quando uma pessoa reconhece que abandonou o seu primeiro amor, mas depois regressa às suas raízes luteranas para reaprender e lembrar os dons que lhe foram apresentados nos Cultos da Igreja Divina. No entanto, a redescoberta é difícil. É difícil porque os indivíduos precisam reconhecer que o problema não está nas práticas luteranas, mas neles próprios. Por exemplo, com Larry e Tom, eles teriam que admitir que o fardo do tédio recai sobre eles e não sobre as práticas da sua Igreja Luterana.


Infelizmente, porém, indivíduos como Larry e Tom muitas vezes não colocam a responsabilidade sobre si mesmos, mas exigem mudanças na prática (a jornada de tentar implementar práticas não luteranas) para compensar o seu tédio, abrindo assim a porta para a jornada para rejeitar o luteranismo.


2º Estágio: as mudanças de práticas

Virando-se para frente, Larry disse:

“Não sei se você já viu, mas a Igreja Batista daqui da rua está fazendo algo que parece conectar-se com os jovens. Parece atrair os jovens.”

Tom respondeu:

“Sim, eu sei o que você vai dizer. Eles têm bandas bem legais cantando músicas cativantes e usam até telões. E ouvi dizer que os cultos são incrivelmente relaxantes e tranquilos.”

Balançando a cabeça, Larry disse:

“Acho que podemos aprender muito com eles e talvez fazer algumas mudanças simples aqui em nossa igreja. Além disso, todos sabem que as práticas da igreja são adiáforas. Não é como se estivéssemos mudando nossa doutrina luterana.”

É importante ter em mente que luteranos de longa data, como Larry e Tom, nunca têm a intenção de abandonar a doutrina luterana. No entanto, o desejo de aliviar o tédio e a tentação de algo “novo”, que supostamente atrai os jovens, exercem uma poderosa influência sedutora na mudança das práticas da igreja.


Duas preocupações precisam ser abordadas neste momento. Em primeiro lugar, a prática nunca é neutra. As práticas da igreja “sempre” são derivadas e fluem da doutrina. A doutrina impulsiona, molda e forma as práticas da igreja. E, ao longo do tempo, a prática também pode influenciar reciprocamente a doutrina de uma igreja. Portanto, o que Larry e Tom não entendem é que a introdução de práticas batistas em uma Igreja Luterana é uma introdução da teologia batista envolta em práticas batistas supostamente neutras.


Em segundo lugar, Larry e Tom têm dificuldade em compreender o que se entende por adiáfora. Adiáfora, ou coisas adiafóricas, refere-se a coisas que não são ordenadas nem proibidas na Palavra de Deus. No entanto, isso não concede licença para fazer o que se quiser em um culto na igreja. O fato de algo não ser ordenado nem proibido na Palavra de Deus não significa automaticamente que seja benéfico para um culto na igreja. Além disso, o caráter adiáforo de algo não implica que esteja isento do julgamento pela Palavra de Deus.


Aqui está o ponto: depois que o tédio se instala, indivíduos como Larry e Tom decidirão mudar as práticas da igreja, enquanto acreditam ingenuamente que a doutrina luterana permanecerá inalterada.


3º Estágio: Eles se tornam falsos evangélicos

Quando as mudanças na prática começarem a ocorrer na igreja, Larry e Tom sentirão uma sensação de júbilo e conquista. Não só supostamente atingirão os jovens, mas o fardo de tédio deles começará a ser aliviado.


No entanto, estão entrando em um beco sem saída. Nestes casos, o que normalmente acontece é que as pequenas mudanças em uma Igreja Luterana ficam aquém das tendências das Igrejas Evangélicas. Isto é; no momento em que a Igreja Batista do fim da rua implementa uma nova tendência, e no momento em que Larry e Tom adotam a chamada nova tendência, a tendência já está ultrapassada. Existe um estigma tácito sobre as Igrejas Luteranas que tentam agir como evangélicas.


Esse estigma é que elas estão 15 anos atrás das tendências. Além disso, o estigma é que essas Igrejas Luteranas são falsos evangélicos. A palavra “falso” significa imitação, ou falso, ou não genuíno. Quando alguém tem o rótulo de “falso”, é fácil identificá-lo porque parece estranho e desconfortável com as roupas, a linguagem, os maneirismos e os gostos de outra cultura ou grupo que tentou desesperadamente imitar. O mesmo se aplica a uma igreja. Uma Igreja Luterana que toma emprestadas práticas batistas não parece luterana ou batista, mas parece uma falsa igreja evangélica desatualizada. Na verdade, o tédio leva ao desejo de mudar as práticas, e uma mudança de práticas leva ao falso Evangelicalismo.


4º Estágio: As principais doutrinas luteranas desaparecem

Certa manhã, antes do culto, Larry virou-se para Tom no banco e disse:

“Gosto muito das mudanças; no entanto, com as novas mudanças, as coisas simplesmente parecem que não estão se encaixando em nossos cultos.”

Com um pequeno sorriso, Tom respondeu:

“Sim, eu sei o que você quer dizer. O Kyrie e a Confissão de Pecados parecem diminuir o clima. Gosto do Kyrie e da Confissão, mas parecem entrar em conflito com o resto do Culto. Talvez pudéssemos deixá-los em nosso culto das 8h e removê-los do culto das 10h30.”

Novamente, há mais coisas acontecendo aqui do que aparenta. O que Larry e Tom identificaram corretamente é o que chamamos de "dissonância cognitiva". Dissonância cognitiva é o que acontece quando você mistura duas coisas que não podem ser misturadas (pense em óleo e água). A dissonância que Tom e Larry estão percebendo é entre a doutrina luterana (conforme expressa no Kyrie e na Confissão) e as práticas batistas recentemente introduzidas. Tenha em mente que a doutrina e a prática trabalham de mãos dadas. A doutrina molda e forma a prática, e a prática informa e ensina a doutrina à igreja. Portanto, uma igreja não pode existir a longo prazo com a doutrina luterana e as práticas batistas. Ou as práticas batistas terão de ser rejeitadas, ou várias doutrinas luteranas terão de ser omitidas para reduzir a dissonância nos cultos da igreja.


E assim, quando as igrejas e os fiéis continuam no caminho da rejeição do luteranismo, as práticas evangélicas aumentam e as doutrinas luteranas distintas diminuem ou são omitidas.


5º Estágio: Surge um espírito defensivo

Certa manhã, Larry e Tom saíram para tomar café com vários outros homens da comunidade. No grupo de oito homens, cerca de metade eram luteranos e a outra metade eram batistas de diversas igrejas diferentes.


John, um dos homens, afirmou:

“Larry, ouvi algumas coisas estranhas sobre sua igreja. Vocês estão se livrando de partes do seu culto e introduzindo coisas da Igreja Batista do Frank?”

Frank, um batista da mesma rua, disse:

“Sim, Larry, eu não sabia que luteranos e batistas eram tão parecidos.” Incomodado, Larry disse: “Somos muito luteranos, só não somos como os outros luteranos da cidade. Estamos fazendo algo especial, pois estamos alcançando os jovens e acendendo um fogo em nossos membros.”

Quase interrompendo Larry, Frank respondeu:

“Mas Larry, não há nada em seu culto na igreja que se pareça com o luteranismo. Um recém-chegado à sua igreja não terá ideia de que você é luterano, pois tudo o que você está fazendo se parece com a minha Igreja Batista. Se você é luterano – como você diz – por que está rejeitando o luteranismo?”

É fácil ver neste ponto que Larry e Tom ficarão extremamente na defensiva e bastante zangados com John e Frank. Um espírito defensivo é uma das características finais dos indivíduos e das igrejas que estão para sair do Luteranismo para o Evangelicalismo. Devemos ter em mente que John e Frank não estão criando problemas nem causando divisão. Eles estão apenas aplicando o “teste do pato” à igreja de Larry e Tom. Se a igreja parece batista, nada como batista e grasna como batista, então provavelmente é uma igreja batista. Como mencionado, Larry e Tom serão levados a um espírito defensivo, querendo preservar a ideia de que são luteranos – pelo menos em sua doutrina. A atitude defensiva é o resultado de Larry e Tom quererem justificar suas ações diante da confusão sobre suas doutrinas luteranas e práticas batistas conflitantes.


Conclusão

É difícil saber com certeza o que acontecerá com a igreja de Larry e Tom, assim como com Larry e Tom. Eles continuarão nesse caminho de serem luteranos apenas no nome? Será que Larry e Tom se cansarão da dissonância cognitiva e eventualmente partirão para a Igreja Batista na mesma rua? Ou será que eles perceberão a jornada trágica que percorreram ao rejeitar o luteranismo, resultando em um retorno à doutrina “e” à prática luterana?


A única coisa certa é que o tédio abre a porta ao desejo de mudar práticas. Uma vez introduzidas as práticas evangélicas, o estranho falso-evangelicalismo se instala, o que eventualmente leva à dissonância que resultará na omissão das principais doutrinas luteranas. E a cereja do bolo? Um espírito defensivo destinado a autojustificar-se! Infelizmente, é isso que acontece quando os luteranos seguem o caminho da rejeição do luteranismo.


Que o Senhor nos proteja do tédio, da sedução da mudança, da dissonância cognitiva e do espírito defensivo. Que o Senhor nos conceda a segurança e alegria de saber que o luteranismo não é o único caminho, mas é o melhor. Que o Senhor sempre nos conceda olhos, ouvidos e mentes renovados para ouvir e receber novamente o Evangelho de nossas Igrejas Luteranas. Nas palavras de um amigo próximo: “Que pratiquemos o que pregamos ou acabaremos pregando o que praticamos”.

+VDMA

[1] O pastor Richard é pastor da Igreja Luterana de St. Paul, Minot, ND, EUA, desde 2018. Antes de St. Paul's, ele serviu igrejas em Minnesota, Califórnia, Montana e leste de Dakota do Norte. Ele se formou no Concordia Seminary de St. Louis, Missouri (DMin), no Lutheran Brethren Seminary de Fergus Falls, Minnesota (MDiv) e na Minot State University em Minot, ND (BS).

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