top of page

Com anjos e arcanjos: o culto no Livro do Apocalipse

Foto do escritor: Rev. Filipe Schuambach LopesRev. Filipe Schuambach Lopes

O céu é visto muitas vezes como um lugar distante com o qual os cristãos não têm contato até após a morte. O Livro do Apocalipse, entretanto, nos ajuda a ver que o céu não é uma realidade “lá em cima” e puramente “futura”, mas uma realidade acessível e presente da qual participamos através do Serviço Divino [culto]. Pois onde a Santíssima Trindade vem através de seus meios de graça e está presente, lá somos trazidos para a realidade do céu. Não é por acaso que frequentemente usamos as canções bíblicas dos anjos em nossa liturgia (por exemplo, o Gloria in Excelsis e o Sanctus) e reconhecemos que cantamos com eles: 

“Portanto, com anjos e arcanjos e com toda a companhia celeste, louvamos e magnificamos o teu glorioso nome, exaltando-te sempre, dizendo...” (Conclusão do Próprio Prefácio). 

O Livro do Apocalipse, por causa de suas cenas recorrentes de adoração celestial que são regularmente pontuadas por hinos de louvor, é um dos recursos mais ricos da igreja para a compreensão de adoração e culto.
A acessibilidade do céu é enfatizada no Livro do Apocalipse com a imagem da “porta aberta” (3.8, 20; 4.1). Depois que Cristo Ressuscitado aparece na ilha de Patmos e fala com João, demonstrando assim que ele é o Senhor vivo de Sua Igreja que não está ausente nem confinado a uma esfera celestial (capítulos 1-3), então João vê uma porta aberta: 

Depois destas coisas, olhei, e eis que havia uma porta aberta no céu. E a primeira voz que ouvi, que era como de trombeta ao falar comigo, disse: — Suba até aqui, e eu lhe mostrarei o que deve acontecer depois destas coisas. (4.1).

 João é trazido pelo Espírito através desta porta aberta e contempla a sala do trono divino. Lá ele vê e ouve o que normalmente não é percebido com nossos cinco sentidos: o brilhante mistério de Deus (o Pai) entronizado, anjos reunidos em torno dele cantando “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus” (4.8; cf. Is 6:3), e santos lançando suas coroas diante dele enquanto cantam: “Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder” (4.11).

Esta cena da porta aberta para o céu culmina com a revelação do “Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi” que pode abrir o livro selado na mão direita do Pai (5.5). Espera-se ver o espetacular “um como um Filho do Homem” que apareceu antes a João (1.12-18), mas em vez disso ele vê no meio do trono "um Cordeiro que parecia que tinha sido morto. Ele tinha sete chifres, bem como sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados por toda a terra" (5.6). Este retrato, sem dúvida, é o mais memorável e poderoso entre as cenas deste livro. A totalidade da pessoa e da obra de Cristo é exibida diante dos olhos dos fiéis, para que eles vejam e acreditem: Sua onipotente divindade (sete chifres e olhos), sua verdadeira humanidade (um cordeiro que morreu) e seu sacrifício pelo pecado na cruz do Calvário (massacrado) que resultou na vitória da ressurreição (de pé e entronizado). Como o Cordeiro é entendido como sendo do mistério do único Deus entronizado, ele é adorado com palavras e ações paralelas à adoração anterior do Pai: "Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor" (5.12). A unicidade deste Cordeiro com o Pai como objeto de adoração é enfatizada ainda mais enquanto todo o cosmo se une em louvor: "àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, a honra, a glória e o domínio para todo o sempre" (5.13). Embora o Apocalipse confesse abertamente a natureza trinitária de Deus (1.4-5), o Cordeiro continua sendo o foco visível da adoração deste único Deus verdadeiro.

À luz desta cena da porta aberta para o céu, alguns de nós podemos dizer: “Oh, como eu gostaria de ser João e ver o que ele viu!” Nós, no entanto, não devemos nos sentir assim. João foi ordenado a escrever o que viu para que, através deste livro, outros realmente "vissem” o que João viu (1.11). Através da leitura ou da audição desta santa revelação (1.3), nós também passamos pela “porta aberta” e contemplamos o mistério de Deus. Além disso, esta experiência do céu não resulta apenas - ou mesmo principalmente - da leitura do Livro do Apocalipse. Não é insignificante que João teve esta experiência no Dia do Senhor (domingo), o dia típico para os cristãos se reunirem para o culto que inclui a Ceia do Senhor (1.10). O entendimento de que outros cristãos fiéis podem passar pela “porta aberta” do céu no contexto do culto do Dia do Senhor é a base para os dois convites de Cristo a respeito desta “porta” dada às congregações em Filadélfia e Laodicéia (3.8, 20). O livro do Apocalipse chama aqueles que foram lavados e vestidos de branco através do selamento com o Nome Divino no Santo Batismo um reino e sacerdotes ao nosso Deus que reina na terra (5.10; cf., Êx 29.4-9). Os cristãos na terra, portanto, são “sacerdotes” que têm uma “porta aberta” para o santuário celestial!

Há um mal-entendido bastante difundido de que as várias cenas do Livro do Apocalipse descrevem realidades futuras. O culto nos capítulos 4-5 e em outros lugares, portanto, às vezes é entendido como retratando apenas como será quando os santos forem trazidos para o céu, e não apresentam a realidade. Jesus limpa a névoa sobre esta questão quando Ele afirma: “escreva, pois, as coisas que você viu (isto é) as que são e as que hão de acontecer depois destas” (1.19). João vê cenas que retratam a realidade presente (“o que são”), assim como aquelas que retratam a realidade futura (“e as que hão de acontecer depois destas”). Estas cenas de adoração [culto] retratam uma realidade presente e eterna: o Deus “que é, foi e virá” e o Cordeiro que já foi sacrificado por nosso pecado, elevado em vitória, e entronizado em glória. Estas cenas não são meramente como o céu será um dia; embora certamente tratem também disso, elas também retratam o que o céu é agora como Deus nos traz em sua presença através do Serviço Divino [culto]. Elas servem como um comentário vívido sobre o que está acontecendo no Serviço Divino, especialmente na Ceia do Senhor, onde o Cordeiro Pascal que derramou seu sangue e deu seu corpo está presente compartilhando sua vitória. Este Cordeiro de sangue e de pé retratado no Apocalipse é o mesmo em cuja presença real nos encontramos enquanto cantamos: “Ó Cristo, Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, tem piedade de nós” e depois participa de sua carne e sangue que dá a vida.

Há evidências na literatura judaica escrita nos séculos imediatamente anteriores à era cristã de um debate significativo sobre como o tempo deve ser contado, seja por um calendário lunar (354 dias) ou por um calendário solar (364 dias). Por que este foi um debate importante para judeus específicos?

Porque estavam muito preocupados que sua adoração estivesse em sincronia com a adoração do céu; não queriam estar observando o sábado ou uma festa na terra fora da observância celestial. Tal preocupação com a congruência entre a adoração no céu e na terra dificilmente caracteriza grande parte da igreja de hoje. Em vez de culto refletindo as sempre mutáveis culturas desta terra e os caprichos dos homens, deveria refletir o que foi revelado por Deus como eterno e do céu, tal como encontramos no Livro do Apocalipse. A descrição da adoração no céu na Sagrada Escritura é prescritiva para a igreja na Terra, mesmo quando oramos: “Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”. Um dia a congruência entre a adoração na terra e no céu será completa: "pois o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará e os guiará para as fontes da água da vida. E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima" (7.17).

For the Life of the World. v.7, n. 2. 2003, p. 7-9.

Comments


SOBRE NÓS

Este website não tem como propósito impor qualquer forma de culto, mas, ao contrário, busca servir como um auxílio para aqueles que demonstram interesse na teologia do culto da Igreja Luterana.

  • Grey Facebook Icon
  • Grey Instagram Icon

© 2024 por Serviço Divino.

bottom of page