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As Vestes Litúrgicas na Tradição Luterana Confessional

Foto do escritor: Rev. Filipe Schuambach LopesRev. Filipe Schuambach Lopes
No Antigo Testamento, Deus prescreveu as vestimentas que deviam ser usadas pelos sumo-sacerdotes e levitas no desempenho de suas tarefas (Êx 28.1; 39.4). Estas vestes foram, naturalmente, revogadas com a chegada do Novo Testamento. Mas o princípio e a necessidade de vestes clericais ocasionaram, dentro da liberdade cristã, o desenvolvimento de vestiduras tradicionais para clérigos, também na igreja do Novo Testamento. Na Reforma do século XVI, as vestimentas tradicionais foram mantidas pelos luteranos. Mais tarde, seu uso foi abandonado em determinados tempos e lugares, mas continuam pertencendo, até hoje, à nossa herança cristã e luterana.
As vestimentas possuem um propósito duplo: litúrgico e universal. O propósito litúrgico das vestimentas é identificar claramente a pessoa que está desempenhando uma função litúrgico, como por exemplo, os pastores, acólitos, entre outros. Os pastores usam vestes litúrgicas não porque se consideram mais santos que os outros, mas justamente para demonstrar que não são. As vestes ajudam a desviar a atenção da pessoa do pastor e suas características pessoais, permitindo que a congregação se concentre em Deus que se faz presente em sua igreja por meio do santo ofício pastoral e em sua Palavra. Em última análise, o propósito dessas vestes é dar glória a Deus e não ao próprio pastor. Já o propósito universal das vestimentas é proporcionar continuidade na Igreja. Em diferentes épocas e lugares, as vestimentas litúrgicas da Igreja têm servido como um sinal de unidade da única Igreja santa, católica e apostólica.
Como as vestimentas não foram ordenadas no Novo Testamento, a história de seu desenvolvimento é longa e variada. As primeiras vestimentas parecem ter sido derivadas da vestimenta oficial do Império Romano. O estilo dessas vestimentas mudou gradualmente até o período da Reforma, quando os reformadores radicais decidiram eliminar qualquer marca que distinguisse o clero dos leigos. No entanto, desde o século XIX, houve um renovado interesse nas vestimentas litúrgicas da Igreja. As igrejas romanas e outras igrejas ocidentais usam vestimentas semelhantes entre si, enquanto as igrejas ortodoxas orientais seguem uma tradição diferente de vestimenta eclesiástica.
 
A Camisa Clerical
A camisa clerical é uma vestimenta tradicionalmente usada por pastores e outros ministros religiosos, geralmente de cor. O colarinho clerical, que foi inventado pelo reverendo Donald Mcleod, é uma característica marcante dessa camisa e foi adotado por várias denominações cristãs, como a Igreja Anglicana, igrejas metodistas, a Igreja Ortodoxa Oriental, igrejas batistas, igrejas luteranas e a Igreja
Católica Romana.
O uso da camisa clerical tem um significado profundo. A cor escura da camisa serve como um lembrete visual para o pastor e para aqueles que o veem de que ele, assim como todos os outros, é um pecador que necessita de Jesus. O colarinho clerical, com seu pequeno quadrado branco na garganta, simboliza que as palavras que o pastor compartilha não são suas próprias palavras pecaminosas e humanas, mas sim as palavras de Deus provenientes da Bíblia, que são limpas e puras.
Portanto, a camisa clerical não é apenas uma peça de vestuário, mas um símbolo do papel do pastor como um porta-voz de Deus, ressaltando a necessidade de humildade e lembrando a todos da pureza da mensagem divina.
 
Alba
A alba é uma vestimenta básica usada no culto cristão, derivada do latim “albus”, que significa “branco”. Trata-se de uma túnica comprida com mangas longas, originalmente confeccionada em linho branco, embora hoje seja comumente feita de algodão, poliéster ou uma mistura desses materiais.
Ao usar a alba, o ministro normalmente também usa uma estola, uma faixa estreita de tecido que desce pela frente da alba e tem a mesma cor dos paramentos litúrgicos. 

Quando o pastor veste a túnica branca sobre sua camisa preta, isso simboliza que seu pecado é coberto pela pura glória de Deus, quando no batismo fomos lavados do pecado pelo precioso sangue de Cristo, sendo tornados “alvo mais que a neve”. A alba cobre o pastor, ajudando a congregação a focar na obra de Deus em vez de nas características pessoais do pastor. Essa vestimenta branca representa a misericórdia e a graça de Jesus, cobrindo o pecado e mostrando a pureza divina.
Além dos pastores, estudantes de teologia, devidamente autorizados pelo Seminário Concórdia, também podem usar albas durante o Culto. Isso nos ajuda a não focar nas pessoas em si, mas nos dons da salvação e justiça que Deus nos dá a todos.
Ao vestir a alba, pode-se orar: “Vista-me, ó Senhor, e limpe meu coração, para que, purificado no sangue do Cordeiro, eu possa sempre desfrutar da felicidade eterna. Amém”.

Estola
A estola é uma faixa estreita e longa de tecido usada junto com a alba, derivada do grego “stole”, que significa “manto longo e esvoaçante”. Representando o jugo de Cristo, a estola é tradicionalmente usada ao redor do pescoço pelos pastores durante o Culto Divino ou em outros momentos litúrgicos.
A estola é amplamente utilizada como um símbolo de ordenação em todos os cultos e atos litúrgicos, ajudando a diferenciar os ministros ordenados dos oficiantes leigos e estudantes de teologia ou estagiários.
A importância da estola reside em sua simbologia e função prática. Nenhuma pessoa que não tenha sido ordenada deve usar a estola, o que sublinha seu papel como um distintivo de autoridade pastoral e consagração ao ministério sagrado. Cada cor litúrgica tem sua própria estola, refletindo a mudança das estações litúrgicas e suas respectivas significações.
A estola simboliza a perfeita obediência de Jesus, através da qual Ele nos garantiu a vida eterna. Este significado profundo é reforçado pela oração que o pastor pode proferir ao vesti-la: “Dá-me novamente, ó Senhor, a estola da imortalidade, que perdi com a transgressão de meus primeiros pais, e, ainda que indigno de me achegar ao teu ministério sagrado, dá-me com que eu me alegre no mesmo para sempre.”
 
Cíngulo
O cíngulo é uma corda usada em volta da cintura do pastor, que remonta ao século IX, quando foi reconhecido oficialmente como parte das vestimentas clericais. Além de sua função prática de manter a
alba no lugar, ele carrega um profundo simbolismo de pureza. O ato de cingir-se com o cíngulo lembra ao pastor que todos os desejos pecaminosos que habitam dentro dele devem ser extintos. É um sinal visível de seu compromisso com a vida pura e santa, imitando a vida de Cristo, servindo como um lembrete constante de sua responsabilidade espiritual e moral diante da congregação.
 
Casula
A casula é uma vestimenta litúrgica adicional usada por alguns pastores, com o objetivo de distinguir o Ofício do Ministério. O nome “casula” deriva do latim, que significa “cabana” ou “casinha”, pois a roupa originalmente cobria todo o corpo e servia até mesmo como uma barraca portátil para viajantes. Esta vestimenta, semelhante a um poncho, é usada sobre a alba e a estola. São Paulo menciona essa vestimenta em 2Timóteo 4.13.
Na época da Reforma, Lutero manteve a casula e as vestimentas antigas, enquanto Zwinglio e outros reformadores as descartaram como “papistas”, juntamente com altares, velas, crucifixos e similares. Desde os primeiros dias, no entanto, a casula tem sido “a vestimenta” para a celebração da liturgia da Santa Ceia, sendo mantida pela Igreja Luterana na época da Reforma e sendo usada por uma grande parte da Igreja Luterana.
A casula é a principal vestimenta eucarística, simbolizando a glória de Cristo e a importância do trabalho pastoral, que é maior do que o próprio pastor. Ao vestir a casula, o celebrante pode orar: “Senhor, que disseste, 'O meu jugo é suave e o meu fardo é leve', capacita-me a usar esta casula e concede-me a tua graça.” Esta oração aponta para o simbolismo da casula, indicando que o pastor está a serviço de Jesus Cristo, fazendo sua vontade e agindo de acordo com seus ensinamentos.
Sendo uma vestimenta eucarística, deve ser usada apenas em momentos em que a Ceia do Senhor é celebrada.
A casula ajuda a congregação a lembrar que o homem que a veste está no sagrado ofício do ministério, destacando o papel do pastor como um instrumento de Deus. Ela representa a conexão do pastor com Cristo e a responsabilidade de conduzir a congregação na celebração da Santa Ceia, sendo um símbolo visível da presença divina e da graça concedida por Deus.
No livro Why? A Layman’s Guide to the Liturgy, é dito:
A razão das vestes é principalmente lembrar o pastor e seu povo de que ele não está realizando sua “coisa própria” durante o culto, mas está servindo como embaixador de Cristo ao povo. Outra maneira de pensar sobre isso é considerar as pinturas sagradas que surgiram na igreja primitiva, chamadas ícones. Um ícone foi usado para focalizar a atenção de uma pessoa nos assuntos sagrados da fé pelo que foi retratado - na maioria dos casos, o próprio Cristo. Assim, quando se olhava para o ícone, podia-se adorar e ponderar o próprio Cristo que, por assim dizer, estava por trás do ícone. Uma boa maneira de pensar no pastor, especialmente quando ele está celebrando a Ceia do Senhor, é pensar nele como um ícone: nesse caso, um ícone vivo. Atrás dele está Cristo, ou melhor, nele. Ele serve como Cristo, dizendo: “isto é o meu corpo”, etc. Portanto, é muito útil para o pastor, quando está atento a essa questão mais importante da celebração do Sacramento, estar usando a casula, a fim de lembrar visualmente o povo e a si mesmo que aqui especialmente ele está servindo como se fosse o próprio Cristo ao povo.
 
Outras vestimentas possíveis
Sobrepeliz
A sobrepeliz (do latim “super”, que significa “sobre” e “pellicium”, que significa  “manto de pele”) é
uma vestimenta litúrgica usada sobre a batina. Historicamente, em áreas de clima frio, a sobrepeliz substituía a alba, que não podia ser usada sobre uma sotaina de lã devido ao seu ajuste justo ao corpo. Hoje em dia, a batina e a sobrepeliz são uma alternativa à alba, especialmente para momentos litúrgicos onde a Santa Ceia não é celebrada (Liturgia da Palavra, Matinas ou Vésperas).
A sobrepeliz é uma vestimenta branca que reflete a pureza e a dignidade dos ofícios religiosos. Sua beleza está na sua plenitude e comprimento, proporcionando uma aparência elegante e respeitável.
Na tradição luterana, a sobrepeliz ajuda a diferenciar os clérigos e seus assistentes dos leigos, mantendo um padrão de vestimenta que reflete a ordem e a reverência apropriada ao culto.
 
Outras vestimentas
Talar preto
O talar preto é uma vestimenta que se assemelha a uma toga acadêmica, semelhante às becas de formatura. Originalmente, essa vestimenta era utilizada por professores e juízes, refletindo sua função educacional e judicial. Durante os últimos 200 anos, principalmente em países europeus como Noruega e Dinamarca, o uso do talar preto tornou-se popular entre os clérigos. Em vez do colarinho franzido, passou-se a usar peitilhos brancos (conhecidos como beffchen) com o talar preto.
Essa vestimenta não possui um significado litúrgico e, historicamente, foi adotada como uma declaração contra as vestimentas eclesiásticas mais “romanas” durante o período de “protestantização” na história da Igreja Luterana, influenciado de forma especial pela União Prussiana, anunciada em 27 de setembro de 1817 por Frederico Guilherme III, que uniu luteranos e reformados em uma única congregação cristã evangélica na Prússia. Essa união levou muitos pastores luteranos a adotar o talar preto, abandonando as vestimentas tradicionais, pela necessidade de diferenciação e identidade entre pastores e fiéis.
Apesar de seu uso, o talar preto não possui significado litúrgico ou simbólico específico para os luteranos. Algumas tentativas foram feitas para atribuir um conteúdo simbólico de lei e evangelho ao peitilho, mas isso não tem respaldo histórico litúrgico.
Sendo assim, aqueles que rejeitaram as vestimentas históricas de adoração, como os calvinistas, pietistas e racionalistas, adotaram o talar preto por não ser uma vestimenta de adoração, mas sim uma vestimenta profissional cotidiana do acadêmico medieval e do magistrado moderno.

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