
Por que os cristãos vão à igreja? Tenho certeza de que todos nós temos outras coisas que poderíamos fazer em uma manhã de domingo em vez de ir a um prédio, cercado por outros cristãos, para dizer algumas palavras e cantar algumas canções - certo? O que falta aqui é uma compreensão da importância da adoração [culto]. Nem sempre estamos conscientes sobre exatamente porque adoramos e exatamente o que deve acontecer quando o povo de Deus se reúne. Estas questões, no entanto, são centrais para a vida cristã. Não somos chamados a viver nossa vida cristã de forma isolada ou desprovidos da reunião dos crentes. Somos chamados a nos reunirmos em comunidade para adorar o Deus que nos criou, que nos redimiu, que nos reconciliou consigo mesmo e com os outros. A questão da finalidade da adoração, em particular, diferencia várias tradições cristãs umas das outras. Antes de examinar aspectos físicos da liturgia cristã na tradição luterana, temos que primeiro avaliar o estado atual do culto na igreja contemporânea.
Existe uma conexão fundamental entre o que uma igreja acredita e como uma igreja adora. Às vezes queremos desconectar a teologia e a adoração em uma espécie de dualismo corpo/mente, como se pudéssemos acreditar em uma coisa em nossa mente e agir de outra forma com o nosso corpo. Há um lugar que diz algo como: “estilo evangélico, substância luterana”. Não há substância além do estilo. A adoração simplesmente não funciona desta maneira. O modo de adoração é um ponto neutro em relação ao qual qualquer pessoa pode adaptar o que quiser, de acordo com seus próprios desejos ou interesses. Como afirmou o santo Próspero da Aquitânia do século V, “a regra do culto é a regra da fé” (lex orandi, lex credendi). Em outras palavras, a adoração e a crença estão intimamente ligadas: como nós adoramos impacta o que acreditamos, e o que acreditamos impacta a forma como adoramos.
Adoração orientada pela emoção
Embora seja provável que ninguém afirme conscientemente que sua adoração é motivada por suas emoções, muitos cultos de adoração demonstram exatamente isso. Nesta abordagem de adoração, o cristão precisa de uma experiência. A reunião na adoração serve então para proporcionar uma experiência extasiante a todos que aparecem naquela manhã para adorar a Deus. A ênfase nesta visão é o relacionamento do indivíduo com Deus e não a sua participação na interação corporativa entre Deus e a igreja. A reunião ajuda a experiência do indivíduo, e a igreja se torna um meio para esse fim experiencial.
As igrejas que promovem esta visão experiencial de adoração geralmente possuem um longo tempo de música worship [adoração] no início do culto. As músicas são escolhidas não por seu conteúdo teológico, mas pelo humor e tom que produzem. A música, então, impulsiona as emoções, fazendo com que o adorador sinta que está experienciando a presença de Deus. Os versos são vaporosos e os refrões são repetidos ad nauseam, criando um estado de transe. A presença do Espírito Santo no culto é definida pelos sentimentos do povo da congregação. Se sua presença não é sentida, então ele não deve ter aparecido. Talvez nossa adoração não tenha sido boa o suficiente. Após o longo tempo da música de adoração [worship], os cultos geralmente incluem um longo sermão, como como um tempo de oração.
Nesta abordagem, a ênfase da adoração está no coração e não na mente. A teologia é subestimada como sem importância ou secundária. Não importa tanto o que você acredita, mas o que você experimenta. Sua experiência então se torna uma vara de medição do seu estado espiritual. Se alguém tem uma intensa demonstração de emoção durante o culto, incluindo o choro, o levantar das mãos, cair de joelhos, etc., isso é considerado um sinal da maturidade cristã. Se estas coisas não acontecem, então talvez falte uma verdadeira espiritualidade.
Esta visão de culto enfatiza a necessidade de conversão e de reconversão. Através do uso da música, juntamente com pregações e orações poderosos, os descrentes terão a oportunidade de dar suas vidas a Cristo, aqueles que estão na fé poderão ter a oportunidade de re-dedicar suas vidas ao seu Senhor. O objetivo final de cada serviço [culto, reunião], portanto, é que as pessoas sejam convencidas a viver para Deus.
Esta abordagem emocionalmente orientada para a adoração afeta muito a natureza e ordem do serviço [culto, reunião]. A repetição de orações, credos, e cânticos não é considerada uma forma válida de experimentar Deus. Ao invés disso, a adoração deve ser pessoal e espontânea. Orações que são lidas ou recitadas em vez de proferidas diretamente do coração são geralmente evitadas por não serem verdadeiramente adoradoras. Instrumentos musicais tradicionais, tais como órgãos, não são usados porque não agitam as emoções da mesma forma que os instrumentos modernos.
Adoração moralmente motivada
Na opinião de alguns cristãos, a igreja funciona principalmente como uma comunidade ética. As confissões de doutrinas particulares, portanto, são tornadas sem importância. Uma frase comum dessas igrejas é “deeds, not creeds” (atos, não credos). A mensagem de Jesus é reduzida à instrução moralista sobre como viver, geralmente com ênfase no amor. Esta forma de adoração exclui o conteúdo do que os cristãos acreditam e se concentra unicamente na mudança social. Jesus é, portanto, um novo Moisés: um novo e melhor doador de leis. Ele criou a igreja apenas como uma forma de servir e mudar o mundo, ausente de qualquer conteúdo teológico ou doutrinário. O cristianismo sempre teve uma importante dimensão ética, pois Deus chama seu povo a um certo padrão de vida que se diferencia do mundo mais amplo em que os cristãos vivem. Em uma abordagem bíblica, porém, o aspecto ético da existência cristã é secundário à obra salvadora e redentora de Cristo. Ao longo dos séculos, houve muitas igrejas e teólogos que menosprezaram a obra salvadora de Jesus, concentrando-se exclusivamente na formação ética na vida do crente individual. Uma época em que isso aconteceu em grande escala foi durante a ascensão do liberalismo protestante no século XIX. O famoso filósofo alemão Immanuel Kant argumentou que a religião era útil para manter a moralidade sob controle. Vários teólogos, como Albrecht Ritschl (um dos mais importantes teólogos do século XIX), argumentaram que Kant estava essencialmente correto e que a fé cristã está centrada na vida moral. Para muitos teólogos liberais, isto significava que os eventos sobrenaturais explicados nas Escrituras, tais como os milagres de Jesus, e mesmo a ressurreição, não são essenciais para a fé cristã. Eles servem apenas para ajudar na proclamação de uma vida ética.
A abordagem moralista da fé cristã tem um profundo impacto sobre a vida de adoração da igreja. Ao invés de enfatizar a obra salvadora de Cristo, a igreja procura melhorar a vida de seus membros e mudar o mundo de forma positiva. A pregação, portanto, enfatizará a vida cristã ou as questões sociais, em vez de enfatizar a obra redentora de Cristo. As questões enfatizadas dependerão da cultura particular em que se vive. No século XIX, esta tensão da teologia tendeu a enfatizar ideais iluministas particulares e até levou vários teólogos alemães a apoiar a Primeira Guerra Mundial.[7] No século XX, este tipo de pregação começou a se conectar com a teologia da libertação, que enfatizava a necessidade de justiça social para com grupos de pessoas oprimidas. [Como resultado disso] Na sociedade contemporânea, as igrejas liberais agora frequentemente enfatizam o feminismo e os direitos dos homossexuais.
No entanto, o culto com foco moral não afeta apenas as igrejas liberais; ele também é às vezes identificado com a moralidade cristã tradicional. Por exemplo, pode-se enfatizar a ética sexual bíblica, a partir do púlpito, a tal ponto que a pregação de Cristo não é mais [o ponto] central. Este enfoque ético significa que o serviço não está centrado no que Deus faz pelos pecadores, mas, em vez disso, está centrado no que as pessoas fazem por Deus ou pelo mundo ao seu redor.
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Trecho do primeiro capítulo do livro Liturgical Worship - A Lutheran Introduction do Rev. Dr. Jordan Cooper.
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