No dia 17 de dezembro de 2023, o Rev. Evan Scamman proferiu um sermão ousado e incisivo na Igreja Luterana São Paulo, localizada em Greenwich, Connecticut. Essa mensagem foi posteriormente publicada em 19/12/2023 no blog www.gottesdienst.org. Por ser um sermão relevante para a reflexão sobre o ofício do santo ministério, busquei traduzi-lo e adaptá-lo ao contexto brasileiro da igreja. Todas as referências bíblicas foram ajustadas de acordo com a Nova Almeida Atualizada.
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Um Sermão sobre a Comunhão Fechada na Ceia do Senhor
Cada uma das leituras bíblicas de hoje diz respeito ao ofício do Santo Ministério, pelo qual Deus envia seus mensageiros com uma tarefa específica. O evangelho de Mateus afirma: “Eis que eu envio adiante de você o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de você” (Mateus 11.10). Da Profecia de Isaías: “Uma voz diz: ‘Proclame!’ E alguém pergunta: ‘Que hei de proclamar?’ Toda a humanidade é erva, e toda a sua glória é como a flor do campo. A erva seca e as flores caem, mas a palavra do nosso Deus permanece para sempre” (Is 40.6, 8). E da primeira Epístola aos Coríntios: “que todos nos considerem como ministros de Cristo e encarregados dos mistérios de Deus. Ora, além disso, o que se requer destes encarregados é que cada um deles seja encontrado fiel” (1Co 4.1-2).
Muitos cristãos possuem a ideia equivocada de que o pastor é um funcionário da congregação. Afinal, é a congregação que elabora os documentos para enviar o chamado. E o nome da congregação está nos recibos que o pastor recebe como compensação pelo seu trabalho. Aos olhos do mundo, os documentos do chamado podem parecer um contrato, e a relação entre pastor e congregação pode assemelhar-se à de empregado e empregador. No entanto, não é assim. Um pastor não possui um contrato; ele tem uma ligação. O chamado não provém da congregação; é de Deus. Sim, Deus utiliza meios humanos para comunicar seu chamado, assim como utiliza mãos humanas durante o batismo, mas é exclusivamente Deus quem chama seus mensageiros e os envia para trabalhar entre seu rebanho.
Como os cristãos, então, deveriam considerar seus pastores senão como empregados? São Paulo responde: “que todos nos considerem como ministros de Cristo e encarregados dos mistérios de Deus” (1Co 4.1) Um mordomo é um homem sob autoridade. Se usássemos uma terminologia mais moderna, poderíamos dizer que um pastor é um gestor dentro do empreendimento de Deus. Um gerente não define a política da empresa. Ele não faz as regras. Em vez disso, como homem sujeito à autoridade, ele deve cumprir fielmente as diretrizes do proprietário. E suas palavras e ações serão julgadas de acordo com esse padrão.
São Paulo continua: “além disso, o que se requer destes encarregados é que cada um deles seja encontrado fiel” (1 Co 4.2). Deus exige que seus mordomos cumpram fielmente a tarefa para a qual ele os chamou e designou. E qual é essa tarefa? “Eis que envio o meu mensageiro adiante de você, o qual preparará o seu caminho” (Marcos 1.20). Estas palavras foram ditas por João Batista, um pastor fiel que cumpriu a sua missão de preparar o caminho para Cristo. A única tarefa de João era ser capaz de apontar para Jesus e dizer: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). Mas antes que pudesse apontar aquele que remove o pecado, João foi obrigado a apontar o pecado que precisava ser removido. Qual é o sentido de um Salvador se ninguém precisa ser salvo?
“Uma voz diz: ‘Proclame!’ E alguém pergunta: ‘Que hei de proclamar?’ Toda a humanidade é erva, e toda a sua glória é como a flor do campo. A erva seca e as flores caem, mas a palavra do nosso Deus permanece para sempre” (Is 40.6,8). Então João gritou. Ele chamou o povo ao arrependimento. Ele chamou os líderes religiosos de raça de víboras. Ele confrontou o rei Herodes por dormir com a esposa de seu irmão. E o que sua fidelidade lhe rendeu? Uma passagem só de ida para a masmorra do rei Herodes. Herodes disse a João: “Você é meu súdito. Você é meu funcionário. Eu dou as ordens. Eu escrevo seu contracheque. Eu te digo o que você pode e o que não pode dizer! Sou eu quem te julga.” Não! São Paulo escreve à igreja de Corinto: “além disso, o que se requer destes encarregados é que cada um deles seja encontrado fiel. Mas a mim pouco importa ser julgado por vocês ou por um tribunal humano; nem eu julgo a mim mesmo. Quem me julga é o Senhor”. (1Co 4.2-3, 4b).
Agora, vamos ser bem claros. Estas palavras não dão aos pastores licença para pecar contra o rebanho e depois dizer levianamente: “Não me julguem. Eu respondo somente a Deus.” Este não é um cartão para sair da prisão. “Quem me julga é o Senhor” (1Co 4.4b) é uma perspectiva potencialmente aterrorizante. É um fardo, um jugo que é colocado sobre o pescoço dos pastores. Essa é a finalidade, aliás, da estola que o pastor usa no pescoço. É um lembrete de que ele serve sob as ordens de Deus e será responsabilizado por sua mordomia. “Meus irmãos, não sejam, muitos de vocês, mestres [pastores]”, escreve São Tiago, “sabendo que seremos julgados com mais rigor” (Tiago 3.1).
Isso é o que me mantém acordado à noite. Sim, como qualquer pastor, quero que os membros da congregação gostem de mim. Preocupo-me com minha reputação e não gosto de ser alvo de fofocas. No entanto, em comparação ao meu temor a Deus, que exigirá que eu preste contas pelas almas confiadas aos meus cuidados, é algo insignificante ser julgado por você ou por um tribunal humano. O que verdadeiramente me mantém acordado à noite é a consciência de que estarei diante de Deus, prestando contas da minha mordomia. Qual será a importância do louvor dos homens naquele dia se eu tiver sido infiel ao meu chamado? É algo terrível cair nas mãos do Deus vivo.
São Paulo escreve que os pastores são despenseiros dos mistérios de Deus. μυστηρίων (Mysterion) é uma palavra grega. O equivalente latino é sacramentum. Este versículo nos ensina que os pastores são administradores dos Sacramentos, dos Mistérios de Deus. Pastores são mordomos, não proprietários. Os administradores não fazem as regras. Eles agem e falam conforme são ordenados. Um pastor é encarregado de guardar e distribuir a Ceia do Senhor, mas esta não é a sua ceia. É a Ceia do Senhor, e é nosso Senhor Cristo quem nos ordena na Palavra de Deus que não comamos e bebamos sua Ceia a menos que estejamos unidos na doutrina. Isto significa que, por mais que você deseje receber o Corpo e o Sangue de Cristo, você não pode recebê-lo do altar de uma igreja que não compartilha da nossa confissão de fé. Não estamos unidos em doutrina com a Igreja de Roma. Não estamos unidos em doutrina com a chamada “Igreja Evangélica Luterana de Confissão Luterana no Brasil”, a IECLB. Não podemos mentir e fingir que existe unidade onde não existe. A consciência proíbe isso. As Escrituras proíbem isso. Nosso Senhor proíbe isso. A Comunhão Fechada é, e sempre foi, a prática da fiel Igreja Cristã desde o tempo dos Apóstolos até os dias atuais.
Agora, se você, no passado, recebeu a Sagrada Comunhão em um altar “estrangeiro”, Deus não está zangado com você por isso. Ele não está querendo punir você. Você não sabia. Você não foi ensinado. É por isso que Deus chama e envia pastores, para ensinar o que as Escrituras dizem sobre estas coisas. É por isso que temos estudos bíblicos. É por isso que fico feliz em me encontrar em particular com qualquer pessoa que tenha dúvidas sobre a forma como cultuamos e as coisas em que acreditamos. Nenhum pastor fiel jamais teria prazer em rejeitar alguém na comunhão, mas às vezes isso é necessário: ou quando uma pessoa não compartilha a nossa confissão, ou quando ela está vivendo em um pecado de forma impenitente. Não estou autorizado a lidar com os Sacramentos de acordo com o que faz as pessoas mais felizes. Como mordomo devo administrar os Mistérios de acordo com a ordem de Cristo. Um pastor deve falar todas as palavras que Deus lhe deu para falar, não importa quão infelizes elas possam ser recebidas, não importa quais masmorras possam o aguardar.
Contudo, posso dizer-lhe com absoluta certeza que Cristo e os seus ministros fiéis nunca rejeitarão um pecador arrependido. Não há nenhum pecado passado que possa impedir que você ou qualquer membro desta congregação seja recebido com alegria neste altar – apenas o teimoso impenitente. Como escreve o salmista: “coração quebrantado e contrito, não o desprezarás, ó Deus” (Sl 51.17). Quando um pecador se apresenta diante de Deus com um coração arrependido, não importa quão grave seja o pecado, o mordomo dos Mistérios deve transmitir fielmente esta mensagem e nenhuma outra: “Em lugar e por ordem de meu Senhor Jesus Cristo, eu te perdoo todos os seus pecados”. Jesus disse aos discípulos de João Batista: “anunciem a João o que estão ouvindo e vendo: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e aos pobres está sendo pregado o evangelho” (Mt 11.4-5). Este é o propósito para o qual Cristo chama e envia seus ministros à Igreja: que os ouvidos surdos sejam abertos à verdade, que os olhos cegos possam contemplar a luz de Cristo, que os leprosos pecadores sejam purificados de toda iniquidade, e que os pobres em espírito tenham o evangelho salvador pregado a eles. Os discípulos de João perguntaram a Jesus: “Você é aquele que estava para vir ou devemos esperar outro?” (Mt 11.3) E eles também poderiam estar pensando: “E esse grupo desorganizado de pecadores é a sua Igreja, sua noiva imaculada?” Sim. Vá e conte à João. Onde o evangelho de Jesus é ensinado em sua verdade e pureza, aí está a verdadeira Igreja. Onde os Sacramentos são corretamente administrados por administradores fiéis para o perdão de todos os pecados, aí está a noiva imaculada de Cristo. Vá e conte à João. Pois onde está a noiva, aí também está o Noivo. Onde está a Igreja, aí está também o seu Criador e Senhor. Amém.
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