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Cerimônia e Celebração — Prefácio e Capítulo 1

  • Foto do escritor: Serviço Divino
    Serviço Divino
  • 4 de jul. de 2023
  • 8 min de leitura

Olá, caro leitor. Consciente do crescente interesse por conteúdo litúrgico da tradição luterana e da escassez de materiais em língua portuguesa, mergulhei nos últimos anos na pesquisa e trabalho sobre a liturgia, buscando torná-la acessível a um número cada vez maior de pessoas.

Nessa jornada, percebi a falta de recursos em nossa língua para que mais pessoas possam conhecer e compreender a riqueza da nossa liturgia e o que ela tem a nos dizer e ensinar. Dessa forma, decidi me dedicar a um projeto ambicioso: a tradução do renomado livro “Ceremony and Celebration”, de Paul H.D. Lang, um dos maiores liturgiologistas do século XX.

Nos próximos meses, conforme minhas condições permitirem, estarei imerso

nesse desafio de tradução. Pretendo compartilhar aqui, em uma série de publicações, os insights e reflexões resultantes desse trabalho, proporcionando a você, leitor, uma visão mais profunda e esclarecedora sobre a belíssima liturgia luterana.

Espero que estas publicações sejam de grande valia para você, oferecendo a oportunidade de compreender melhor e se conectar com a essência da liturgia luterana.





PREFÁCIO Quando o eminente historiador luterano alemão, Paul Graff, escreveu sua história em dois volumes da liturgia luterana, deu-lhe o título: Geschichte der Auflösung der alten gottesdienstlichen Formen in der evangelischen Kirche Deutschlands, isto é, A História da Dissolução (Decadência) das Antigas (Originais) Formas de Culto na Igreja Evangélica (Luterana) da Alemanha. Ele disse que a história da liturgia luterana é a história de sua dissolução ou degeneração.

Esta degeneração da liturgia luterana começou já no século XVII. A Igreja Luterana deixou-se influenciar sucessivamente pelo Zwinglianismo, Calvinismo, Pietismo e Racionalismo. A história da influência devastadora que essas forças exerceram sobre a liturgia luterana é um dos capítulos mais tristes da história da Igreja Luterana. Ainda hoje a liturgia luterana sofre as consequências desta história.

Felizmente, a maré começou a virar em meados do século XIX. Homens como Theodore Kliefoth e Wilhelm Loehe iniciaram um reavivamento litúrgico na Igreja Luterana. Esse avivamento ganhou impulso nos anos posteriores por meio dos esforços de Georg Rietschel, Emil Sehling, Julius Smend, Paul Drews, Leonhard Fendt, Hans Asmussen, Joachim Beckmann, Peter Brunner, Friederich Buchholtz, Friedrich Heiler, Theodor Knolle, Walter Lotz, Christhard Mahrenholtz, Karl Bernhard Ritter, Wilhelm Stählin e outros na Europa; e Conrad Bergendoff, Edward Horn, Henry Jacobs, Friedrich Lochner, Luther D. Reed, Paul Z. Strodach e outros nos Estados Unidos.

Homens como este fizeram muito para recuperar muito de nossa herança litúrgica luterana. Eles escreveram valiosos livros e monografias sobre a história, teologia, ritos e música da liturgia luterana.

Pelo que sabemos, no entanto, pouco foi escrito sobre o cerimonial da liturgia luterana.

É nossa esperança e oração, portanto, que este livro possa contribuir com algo para aquela fase da liturgia luterana que se preocupa com suas cerimônias. Que ajude a promover o bem-estar da igreja e a adoração a Deus na e pela igreja, especialmente a Igreja Luterana.

Agradecemos a Ann Hesselmeyer, que doou seu tempo e habilidade para digitar e ler o manuscrito, e Roland Seboldt, que fez sugestões valiosas para melhorá-lo.


Dia de São Bartolomeu Apóstolo, 1963 A.D.


PAUL H. D. LANG Pastor da Igreja Luterana Trindade, Palo Alto, Califórnia

Examinem todas as coisas, retenham o que é bom. 1Tessalonicenses 5.21 — NAA “Nossas igrejas (luteranas) são acusadas de abolir a missa (Celebração da Ceia do Senhor). Isso é falso, pois a missa é mantida entre nós e celebrada com a máxima reverência”. Confissão de Augsburgo, Artigo XXIV

CAPÍTULO 1 Definição de Liturgia

Um livro sobre o cerimonial da liturgia luterana deve esclarecer, primeiramente, o que se entende por liturgia.

Como resultado do atual renascimento litúrgico em todas as vertentes da cristandade, a palavra liturgia é de uso comum, mas possui significados distintos para diferentes pessoas. Para alguns, significa apenas a ordem do culto, ou o ritual, ou as palavras utilizadas durante a realização de um culto. Para outros, denota um tipo de serviço religioso que eles denominam de formal, o qual consideram frio e não espiritual, em contraste com outro que chamam de informal e consideram espontâneo, emocional e mais espiritual. Então, o que queremos dizer quando falamos de liturgia?


Liturgia: O Culto da Igreja Por liturgia, entendemos o culto da igreja como algo distinto das devoções privadas, pessoais e em grupo. É verdade, é claro, que o culto cristão privado não pode ser dissociado do culto da igreja. A igreja é o corpo de Cristo, e todos os verdadeiros cristãos são membros desse corpo, independentemente de participarem da adoração da igreja ou se envolverem em devoções particulares ou em grupo. Do ponto de vista da pertença ao corpo de Cristo, a vida cotidiana e as devoções pessoais de cada cristão fazem parte da liturgia. São Paulo fala da liturgia deste ponto de vista em Romanos 12.1, quando ele diz: “Portanto, irmãos, pelas misericórdias de Deus, peço que ofereçam o seu corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Este é o culto racional de vocês (liturgia)”.

No entanto, as devoções pessoais e em grupo, embora inseparáveis do culto da igreja, não precisam e não podem ser uma expressão do culto a Deus pela igreja universal. Quando não são tal expressão, chamamo-las de oração privada e não de liturgia. A liturgia é a adoração a Deus pela igreja universal, seja por um cristão individual ou por um grupo de cristãos, como expressão da adoração oficial da igreja. Orações particulares e devoções em grupo que não são realizadas ou feitas como uma expressão da adoração da igreja são, é claro, agradáveis a Deus e boas, mas não as chamamos de liturgia.


Liturgia: uma ação As áreas da liturgia abrangem a história, teologia, ritos, rubricas, movimentos corporais, música, poesia, livros, arquitetura, pintura, escultura, metalurgia, bordado e vestimentas. Algumas ou todas essas coisas estão incluídas no conceito de liturgia. No entanto, elas não são a liturgia em si. São apenas os materiais litúrgicos. A liturgia só se concretiza quando os cristãos utilizam esses materiais e os incorporam no culto da igreja ou em expressões do culto da igreja. A liturgia é essencialmente uma ação. Nesse aspecto, é semelhante à música. Instrumentos musicais, notas, partituras e livros estão associados à música, mas não são a música em si. Eles são apenas materiais musicais. A música só acontece quando alguém pega um instrumento musical e toca as notas. Da mesma forma, a liturgia requer ação. Uma ordem litúrgica escrita em um livro não é liturgia, é apenas um material litúrgico. A liturgia só ocorre quando a ordem do culto é realizada. A liturgia é uma ação.


A Liturgia de Cristo Dizer que a liturgia é algo que se faz, uma ação, ainda não nos proporciona o sentido mais profundo da liturgia. Devemos nos perguntar: quem realiza a liturgia? Por quem ela é realizada? Olhando de fora, é fácil identificar quem realiza a liturgia. Ela é realizada por cristãos, por pessoas da igreja. Isso é verdade, é claro. Mas essa é a resposta completa? Quem é o verdadeiro executor? Somente quando encontrarmos a resposta para essa pergunta poderemos compreender o significado mais profundo da liturgia.

É justamente porque a resposta a essa pergunta foi obscurecida que as pessoas passaram a considerar a liturgia como algo feito para elas pelo clero e pelos músicos, e nelas, pelo menos entre os protestantes e muitos luteranos, elas não tinham parte além de ouvir um sermão e cantar alguns hinos. Os leigos passaram a acreditar que podiam ir à igreja quando quisessem e, quando iam, era para receber instruções, orações ou entretenimento dos “especialistas” naquilo que esperavam que pudesse trazer algo de bom para suas vidas. Muitas vezes, não havia a intenção deles virem para fazer algo por si mesmos ou participar de uma ação para glorificar a Deus na salvação das almas e na edificação do corpo de Cristo.

Por quem é feita a liturgia? O verdadeiro protagonista na liturgia é nosso Senhor Jesus Cristo. Na liturgia, Ele continua seu papel como Sumo Sacerdote (Hb 7–8). Junto com Cristo e por meio dele, o protagonista da liturgia é o sacerdócio real, que é o corpo de Cristo, a Igreja cristã universal. A partir dessa compreensão mais profunda da natureza da liturgia, podemos perceber como algumas definições da liturgia são inadequadas. A liturgia não se restringe à ordem de serviço prescrita ou autorizada por determinadas igrejas. Também não se limita à forma como algumas igrejas realizam seus cultos. Tais definições falham ao considerar quem é o executor da liturgia. A liturgia é uma ação de Cristo e de seu corpo, a igreja. Ela é realizada pela congregação na igreja, bem como por indivíduos ou grupos de cristãos em nome da igreja universal, como expressão da adoração da igreja.

Ao afirmar que nosso Senhor Jesus Cristo é o principal protagonista na liturgia, estamos, em última instância, reconhecendo que a liturgia é realizada principalmente por Deus, o Deus Triúno. Cristo é a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, e a Santíssima Trindade é inseparável. Deus está ativamente envolvido na liturgia por meio de sua Palavra e dos Sacramentos, atuando como Criador, Salvador e Santificador. Deus, em Cristo e pelo Espírito Santo, criou a igreja, o novo Israel, o sacerdócio real, a ecclesia, o povo escolhido. Sendo criada e movida por Deus, a principal função da igreja é adorar a Deus e realizar a liturgia.

Na liturgia, a igreja oferece “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus” e manifesta as virtudes “daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pedro 2.5, 9). A atividade humana na liturgia é uma resposta à atividade de Deus. No entanto, mesmo essa resposta é iniciada e motivada por Deus. Quando a igreja proclama o Evangelho e administra os Sacramentos, é Deus quem fala e age por meio da igreja para a salvação e santificação das pessoas. Quando a igreja oferece seus sacrifícios a Deus, ela o faz por meio de Cristo, no Espírito Santo, para louvor e glorificação de Deus. É Deus quem inicia e motiva o culto da igreja, a liturgia. A adoração ou liturgia desta igreja é a adoração de Deus por, em e por meio de Cristo, em união com os membros de seu corpo, a igreja.

Nessa definição, vislumbramos o significado mais profundo da liturgia e, por meio dela, preservamos a palavra “liturgia” de mal-entendidos e usos inadequados.


Terminologia Nos estudos modernos, as palavras liturgia, litúrgica, liturgista e liturgiologista são usadas da seguinte maneira. Caso alguém as utilize em outro sentido, é necessário definir seu significado.

  • Liturgia: refere-se ao culto da igreja, em distinção do culto privado e das devoções em grupo.

  • Litúrgica: diz respeito à ciência ou disciplina da liturgia.

  • Liturgista: designa uma pessoa que realiza a liturgia.

  • Liturgiologista: refere-se a um estudioso ou autoridade em liturgia ou no campo da liturgia.

De acordo com esse uso dos termos, não seria apropriado aplicar a palavra liturgia aos ritos e cerimônias do culto da igreja, nem utilizá-la ao se referir à oração privada e às devoções em grupo.

Da mesma forma, é mais apropriado chamar o pastor que lidera a liturgia da Santa Ceia de celebrante e a pessoa que dirige liturgia de pregação, como matinas, vésperas ou qualquer outro serviço menor, de oficiante, em vez de liturgista. Um ministro do Evangelho que conduz um culto é, evidentemente, um liturgista, mas também todos os outros pastores e leigos que participam do culto. O próprio Cristo é o principal liturgista. Uma vez que todos os verdadeiros cristãos são membros do corpo de Cristo e do sacerdócio real, é por meio deles, em união com Cristo, que a adoração da igreja é realizada. Nesse sentido, todos são liturgistas. A diferença entre pastores e leigos é que, além de ser leigo, o pastor ocupa o ofício do santo ministério e tem os deveres adicionais desse ofício a cumprir. Além disso, entre os leigos, algumas pessoas têm serviços especiais a desempenhar, como organistas, membros do coro, recepcionistas e acólitos. No entanto, a liturgia é realizada em conjunto pelo pastor e pelos leigos. Ambos são liturgistas e têm a responsabilidade de realizar o culto da igreja e participar dele, desempenhando suas partes específicas do culto.

Dom Gregory Dix faz uma observação importante em seu livro “The Shape of the Liturgy”:

“Escrevendo no final da perseguição de Domiciano, no outono de 96 d.C., S. Clemente de Roma lembra a igreja de Corinto: ‘Ao alto- sacerdote (o bispo celebrante) foram designadas suas “liturgias” especiais, e aos sacerdotes (presbíteros) seu lugar especial é atribuído, e aos levitas (diáconos) são impostos seus “diáconos” especiais, o leigo é obrigado pela ordenança dos leigos. Cada um de vós, irmãos, faça eucaristia a Deus segundo a sua própria ordem, mantendo uma boa consciência e não transgredindo a regra estabelecida pela sua “liturgia” (1Clem 40.41).[1]

Nesse contexto, a liturgia não se limita apenas ao clero, mas envolve a participação ativa de todos os membros da comunidade cristã. A celebração da Eucaristia é vista como uma expressão conjunta da fé e da adoração, na qual cada ordem desempenha seu papel específico, e sem a devida participação de cada um, o culto da Igreja não pode ser plenamente realizado. Essa perspectiva ressalta a natureza colaborativa e inclusiva da liturgia, onde pastores e leigos desempenham seus essenciais papéis em união para a adoração de Deus.

[1] Dom Gregory Dix, The Shape of the Liturgy. Westminster: Dacre Press, 1949.

 
 
 

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