Como cristãos e especialmente como luteranos, oramos a “Oração da Mesa” antes das refeições. Aprendemos isso ainda crianças, ao orarmos em nossas mesas em casa, em restaurantes ou ao participarmos de alguma refeição na igreja. Nossos avós e bisavós costumavam orar em alemão. Claro, a oração poderia variar de família para família, mas geralmente, a “Oração da Mesa” era a seguinte:
Komm, Herr Jesu; sei unser Gast; und segne, was du uns bescheret hast. Amen. (Vem, Senhor Jesus, sê o nosso convidado; e tudo o que nos dá, nos seja abençoado. Amém)
Essa breve oração é simples e direta, utilizando palavras fáceis para as crianças e com significado profundo para os adultos. Mas qual é o significado desta oração?
Vem, Senhor Jesus. Quando oramos estas palavras antes das refeições, unimos a nossa voz à do apóstolo João, que orou essas mesmas três palavras perto do final do Apocalipse: “Vem, Senhor Jesus” (Ap 22.20). Jesus voltará novamente no Último Dia. Ansiamos e oramos por aquele dia em que ele aparecerá novamente em carne. Aguardamos ansiosamente o dia em que o contemplaremos face a face, e ele nos levará para passar a eternidade em Sua presença, juntamente com o Pai e o Espírito Santo.
“Vem, Senhor Jesus” não é simplesmente um convite para Jesus aparecer durante a refeição que estamos fazendo. Na verdade, ela projeta a refeição que consumimos à luz da eternidade. “Vem, Senhor Jesus” é o clamor da Igreja para que nosso Senhor Jesus venha até nós com Sua graça, misericórdia e amor. É o apelo da Igreja para que nosso Senhor Jesus venha e corrija a nossa natureza humana, tão contaminada pelo pecado. É o pedido da Igreja para que nosso Senhor Jesus venha e nos conduza à festa das bodas do Cordeiro, que não terá fim (cf. Ap 19.9). “Vem, Senhor Jesus”, oramos, porque sem ele, nossas vidas e nosso futuro são inseguros e sem sentido.
Seja nosso convidado. Aqui, pedimos a Jesus que seja nosso convidado. Quando Jesus se convidou para entrar na casa de Zaqueu, Zaqueu o acolheu, de modo que o povo disse “que Jesus tinha se hospedado com um homem pecador” (Lucas 19.7). Os dois discípulos no caminho para Emaús imploraram a Jesus: “Fique conosco, porque é tarde, e o dia já está chegando ao fim” (Lucas 24.29). Quando convidamos Jesus para ser nosso convidado, é simplesmente uma resposta que brota da fé. Pedimos e ele que seja nosso convidado porque sabemos que ele – com o Pai e o Espírito Santo – nos provê comida e bebida e tudo o mais que precisamos para sustentar nosso corpo e vida. Pedimos que ele seja nosso convidado porque queremos que ele venha e diga o que disse sobre Zaqueu: “hoje houve salvação nesta casa” (Lucas 19.9). Pedimos que ele seja nosso convidado porque queremos lembrar tudo o que ele fez por nós. Não é diferente de orar: “O pão nosso de cada dia nos dá hoje”, que é orar para que recebamos o pão nosso de cada dia com ação de graças. “Seja nosso convidado”, pedimos ao nosso Senhor Jesus, porque o Espírito Santo nos ensinou que Jesus traz salvação à casa que o recebe com fé.
E tudo o que nos dá, nos seja abençoado. Quer a mesa da refeição seja rica ou pobre, abundante ou escassa, tudo o que nós temos e recebemos é uma dádiva de Deus, e queremos que o nosso Salvador a abençoe. Como diz em Hebreus:
“porque a terra que absorve a chuva que frequentemente cai sobre ela e produz plantas úteis para aqueles que a cultivam recebe bênção da parte de Deus” (Hebreus 6.7).
Tudo o que nosso Senhor abençoa alcança o propósito para o qual ele o deu. Quando nosso Senhor abençoa a comida em nossas mesas, ela faz o seu trabalho: alimenta e nutre nossos corpos para que possamos adorar a Deus e servir ao próximo. Isso acontece sempre que Jesus abençoa o pão no Novo Testamento. É o que aconteceu na multiplicação dos pães e dos peixes, onde Jesus,
“tendo mandado que a multidão se assentasse sobre a relva, pegando os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos para o céu, os abençoou. Depois, tendo partido os pães, deu-os aos discípulos, e estes deram às multidões” (Mateus 14.19-20).
Nosso Senhor abençoou o pão e ele alimentou a todos. Nosso Senhor abençoa aquilo que colocou em nossa mesa, e estes nos alimentam. E, tendo recebido a dádiva do alimento de nosso Senhor, voltamos às atividades da vida nutridos e preparados para servir aqueles que nos rodeiam.
“Vem, Senhor Jesus”, clamamos com a Igreja, ansiando que nosso Senhor retorne em glória e nos salve deste mundo pecaminoso. “Seja nosso convidado”, pedimos-lhe, sabendo que a casa que recebe Jesus na fé recebe a sua salvação. “E tudo o que nos dá, nos seja abençoado”, oramos, confiando que a comida em nossas mesas será suficiente para nos nutrir para realizarmos o trabalho que o Senhor nos deu neste mundo. É uma oração tão simples, mas que dá voz a tantos anseios que a nossa fé produz em nós. Ansiamos pela volta de Jesus, ansiamos pela salvação que ele traz e ansiamos por ser nutridos para fazer a obra que ele nos dá. Assim, terminamos a oração da melhor maneira: amém.
ORIGEM DA ORAÇÃO DA MESA
Sabemos que a Oração da Mesa é antiga, mais antiga que a nossa memória, mais antiga até que as pessoas de que nos lembramos da nossa infância. Mas quantos anos tem e quem o escreveu? Embora às vezes tenha sido atribuída a Martinho Lutero, a oração não é encontrada em nenhuma obra conhecida da era da Reforma.
Numerosos autores perceberam que a Oração da Mesa Comum é muito semelhante a partes de uma ária, uma composição musical escrita em 1669 por Johann Rudolph Ahle (1625-1673). Ahle foi o organista luterano e penúltimo antecessor de Johann Sebastian Bach em Mühlhausen, Alemanha. A oração parece derivar da primeira e terceira estrofes de sua ária. Mas... quando e por quem?
Há muito se pensa que a Oração da Mesa foi publicada pela primeira vez em Londres em 1753, em um hinário escrito pelo pietista radical alemão Nicolaus Ludwig Graf von Zinzendorf (1700-1760). Fundador e bispo da Igreja Moraviana (Brüdergemeine ), Zinzendorf foi um poeta e autor de muitos hinos. Baseando-se no seu hinário, muitos atribuíram a oração à Igreja Moraviana londrina ou a Zinzendorf em particular, situando a sua origem em Londres em 1753.
Novas pesquisas, entretanto, mostraram que a Oração da Mesa já era de fato amplamente conhecida em 1753. Sua primeira publicação conhecida foi em 1698, antes do nascimento de Zinzendorf.
A publicação mais antiga e conhecida da Oração da Mesa foi encontrada em um livro escolar escrito em Leipzig por Johann Conrad Quensen, filho de um pastor luterano, e intitulado Neues und Nützliches SchulBuch Vor Die Jugend Biß ins zehente oder zwölffte Jahr (“novo e útil livro escolar para jovens até décimo ou décimo segundo ano de idade”).

Comments